A meio da minha travessia entre o Atrium Saldanha e o Arco do Cego deparo-me (não pela primeira e, certamente, não pela segunda vez) com este senhor. Não lhe consigo ver a face, pois para além de estar envolto em sacos de plástico pretos, também usa um gorro da mesma cor, imundo, e por norma está de costas para mim, deitado no banco da paragem do autocarro. Contudo, consigo sentir-lhe o cheiro, que não é nada agradável e ainda se propaga a um raio de dois metros do dito. Chego a ser falaciosa ao chamar-lhe senhor - pois pode muito bem ser uma senhora - mas na minha mente a ideia que eu tenho deste ser humano é pouco cor-de-rosa e, portanto, suponhamos que é um senhor.
Ora, este senhor parece estar (sempre) a dormir. Acredito que durma, mas tenho a triste sensação que deve passar ainda mais horas a remoer sobre o vazio, a debater-se sobre o seu passado, a sua história, o porquê do Universo o querer ali naquele sítio frio e solitário... Questionei-me: Qual seria a sua história? E porque teria tido este desfecho tão cruel?
Acredito que se terá debatido sobre a fraude que é a nossa política actual, e talvez também na proliferação exponencial do termo "crise", quando a verdadeira crise é aquela que se instalou sobre as pessoas, sobre os bons valores, sobre a nossa capacidade de sermos solidários, de sermos humanos. Secalhar refletiu até sobre a nossa sociedade, a correr sobre as horas, num stress brutal por causa do trabalho, do namorado, dos filhos ou da faculdade... dos problemas que não deviam ter tanto significado assim.
Cheia de boas intenções no meu coração, houve ali um momento em que quis genuinamente destapar a cara do senhor e perguntar se precisava de alguma coisa. Não fui capaz. Para além daquele fedor ser corrosivo ao meu olfacto, tive medo do desconhecido, da reação por parte deste homem à minha abordagem.
Afinal de contas... podia ser só um velho que queria dormir e não ser incomodado.
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